Césio-137 e o acidente de Goiânia: mais de 30 anos depois, o que mudou?
Se você trabalha com fontes radioativas, já deve ter ouvido falar do acidente que ocorreu em Goiânia envolvendo o Césio-137. Se você não trabalha com fontes radioativas, já deve ter ouvido falar também!
Como o acidente com o Césio-137 aconteceu?
O equipamento que gerou a contaminação na cidade entrou em funcionamento no Instituto Goiano de Radioterapia (IGR) em 1971 e foi desativado em 1985, quando o IGR mudou de local.
Com isso, a maior parte da clínica foi demolida, mas algumas salas, inclusive aquela em que se localizava o equipamento, foram mantidas em ruínas.
Após ser furtada do local, a cápsula que continha o Césio-137 foi aberta para o reaproveitamento do chumbo, no ferro-velho de Devair Ferreira.
O dono do ferro-velho expôs ao ambiente 19,26g de cloreto de Césio-137 (CsCl), um sal muito parecido com o sal de cozinha (NaCl), mas que emitia um brilho azulado em ambientes sem luz (conhecido, no futuro, como Brilho da Morte). Ele ficou surpreso com o brilho e mostrou-o para sua esposa, além de distribuir para familiares e amigos.
O irmão de Devair levou um pouco de césio para sua filha, que tocou na substância e a ingeriu junto com alimentos. Outro irmão de Devair também teve contato direto com a substância.
Pelo fato de esse sal ser facilmente dispersivo e absorver a umidade do ar, ele acabou se espalhando rápido e aumentando a área de contaminação. Após algumas horas de exposição, pessoas começaram a sentir náuseas e tonturas. Outros sintomas foram vômitos e diarreias.
No dia 29 de setembro de 1987 a esposa de Devair, suspeitando que aquele material tivesse relação com tudo o que a sua família estava sentindo, levou a cápsula que continha o Césio-137 para a Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde, onde finalmente o material foi identificado como radioativo.
A fonte radioativa foi removida e manipulada pelas pessoas no dia 13 de setembro, porém o acidente radioativo só foi identificado como tal no dia 29 do mesmo mês, quando foi feita a comunicação à CNEN, que notificou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
As potenciais formas de exposição da população de Goiânia à radiação foram:
- Inalação do material radioativo
- Ingestão de alimentos
- Contaminação de animais domésticos
- Irradiação externa devido ao material depositado no ambiente
O governo tentou minimizar o acidente, escondendo dados da população, dizendo que se tratava apenas de um vazamento de gás, para evitar o pânico.
A CNEN exigiu que toda a população da região fosse examinada e, das 112 mil pessoas examinadas na época, 249 tiveram algum tipo de contaminação e quatro morreram.
A Associação das Vítimas do Césio-137 afirma que, até o ano de 2012, quando o acidente completou 25 anos, cerca de 104 pessoas morreram por conta de câncer e outros problemas e cerca de 1600 foram afetadas diretamente.
Eles ainda reclamam da omissão do governo na assistência médica com os contaminados.
Em 1996, a Justiça julgou e condenou por homicídio culposo três sócios e funcionários do IGR.
Como era a fonte radioativa, afinal?
A contaminação em Goiânia originou-se de uma cápsula que continha Cloreto de Césio, um sal obtido a partir do radioisótopo 137 do elemento químico Césio.
A cápsula radioativa era parte de um equipamento radioterapêutico. Dentro dele, ela era revestida por uma caixa protetora de aço e chumbo. Essa caixa protetora possuía uma janela feita de irídio, que permitia a passagem da radiação para o exterior.
A caixa contendo a cápsula radioativa estava, por sua vez, posicionada num contêiner giratório que possuía um colimador responsável por direcionar o feixe radioativo e por controlar a sua intensidade
O objeto que continha a cápsula de Césio foi recolhido pelo Exército e encontra-se exposto no interior da Escola de Instrução Especializada, no Rio de Janeiro.
Lixo atômico gerado
Passadas quase três décadas, os resíduos já perderam metade da radiação. No entanto, o risco completo de radiação só deve desaparecer em pelo menos 275 anos.
Para armazenar esse lixo atômico, o Parque Estadual Telma Ortegal foi criado em Goiânia. Lá encontra-se uma “montanha” artificial onde os contêineres foram colocados no nível do solo. Essa “montanha” é revestida por uma parede de aproximadamente 1 (um) metro de espessura de concreto e chumbo.
E o que mudou de lá pra cá?
O ponto principal é que naquela ocasião não havia uma normatização com relação ao formato fisico e quimico do material radioativo. O Césio-137 que estava dentro da cápsula era um pó extremamente hidrossolúvel e altamente dispersivo.
Hoje em dia é obrigatório e em comumente acordado – inclusive com abrangência internacional – que a fonte radioativa seja imobilizada em uma matriz sólida, que não permite a dispersão do material radioativo pelo ambiente.
Atualmente, as empresas brasileiras, seguindo as normativas, ao utilizarem o Césio em equipamentos, imobilizam o elemento em uma matriz cerâmica. Então, mesmo que esse material venha a sofrer algum impacto ou algum tipo de dano, ele vai se partir, mas não dispersar, já que não vai gerar uma granulação muito pequena e, por ser cerâmico, não vai se dissolver.
Além disso, esse material, que já está em uma forma otimizada na matriz cerâmica para impedir a sua dispersão, fica encapsulado em dois invólucros de aço, soldados eletronicamente.
Ainda assim, a CNEN recomenda as inspeções rotineiras para garantir a integridade das fontes. São os chamados Wipe Tests (Testes de Esfregaço). A periodicidade dessas inspeções vai variar conforme as chances de algum risco ser causado por essas fontes.
Hoje em dia, como funciona a movimentação das fontes radioativas?
Vamos supor que você tem uma planta em operação e, por algum motivo, ela precisa passar por uma manutenção. Será necessário retirar a fonte radioativa e armazená-la em um bunker por um dia, uma semana, um mês, um ano ou o prazo que for necessário e depois voltar com a fonte para a planta de proteção.
As boas práticas ditam que sempre que movimentar uma fonte radiativa, você deve, independente do prazo do último Wipe Test, fazer um novo pelo menos naquela fonte, pontualmente.
O que ainda precisa ser mudado?
O que ainda vemos hoje é a falta de comprometimento de alguns profissionais que trabalham na área e acabam deixando a Radioproteção em segundo plano em função das suas atividades primárias.
Quando a pessoa cuida da própria Radioproteção, esse acúmulo de funções pode ser muito prejudicial! O Supervisor de Radioproteção acaba realizando as atividades de rotina de Radioproteção como der, na hora que der e do jeito que der.
Estamos falando tanto da segurança dos trabalhadores e do patrimônio da empresa, assim como da segurança do meio ambiente.
É imprescindível que os profissionais que atuam com a radioproteção tenham:
- A formação e o conhecimento necessário.
- A dedicação e responsabilidade que esse tipo de material exige.
Hoje a nossa legislação está bem completa, mas sempre pode ser melhorada, com base em relatos de profissionais de outros segmentos e em acontecimentos que vemos na indústria.
Dá para entender como os cuidados com a Radioproteção são fundamentais, não é?
Mesmo tendo ocorrido há mais de 30 anos, o acidente com o Césio-137 ainda é impactante, tanto para quem viveu e ainda vive as consequências do “Brilho da Morte” quanto para quem ouviu ou leu sobre o assunto.
A radiação – e em especial a radiação ionizante – causa diversos efeitos biológicos às pessoas expostas a ela, dependendo da dose de exposição.
A melhor forma de evitar os efeitos estocásticos e determinísticos da radiação ionizante no ambiente de trabalho é através de um Serviço de Radioproteção bem preparado.
Se você é ou a sua equipe possui um IOE (Indivíduo Ocupacionalmente Exposto), estabelecer um Plano de Radioproteção detalhado e eficiente é mandatório!
Quando você trabalha em uma indústria que utiliza fontes radioativas em seus processos é necessário que todos os profissionais expostos à radiação tenham a proteção adequada, de acordo com as normas da CNEN.
Caso sua empresa ache muito dispendioso implementar um Serviço de Radioproteção, também é possível contratar empresas especializadas para cuidar da proteção radiológica.
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FONTES
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- Mais de 3 mil horas executando serviços de Radioproteção.
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